domingo, 25 de maio de 2008

Moinhos na poesia (12)

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De Rembrandt a Van Gogh a tinta és tu
Em rosa de bateira e sol de vinho.
O tempo fez-se-me fome,
Mas levantas os braços - e é o moinho.

Como a corça na Haia plo rebento
E a ponte levadiça,
Vais em maneira, amor e movimento,
Vela da tarde, dique do meu sangue:
Afinal só um pouco de mulher
Que a palavra detém e águas cultivam.

Graça do vento em céus inesperados,
Gaivota és para mim que nasci delas;
No milagre de sermos encontrados
Já de Amesterdão são nossas as janelas.

Taça a taça trocámos anéis áureos
De vinho português sobre holandilha:
Quem via - como saber
Se era braço de noivo ou mão de filha?

Mas sempre tinta à tarde! Eras a Lua
Que em foice adestra os calmos céus dos pôlders:
Eu ceifava a manhã nos teus cabelos,
Contava-os um a um,canal abaixo,
E, deitado nos verbos que te evocam,
Feliz com um pintor que vende pouco,
Era holandês por ti...

Que, bem pensando,
O que eu cá sou, céus de Van Gogh, é louco!
29.1.1963

(Vitorino Nemésio, "Andamento Holandês", Obras Completas, Vol. II - Poesia, INCM, Lisboa, 1989, pp. 378-379.)