terça-feira, 27 de maio de 2008

Sentir e pensar

"Aquela estátua, a tantos metros de distância, é apenas um bloco de mármore. E se eu fechar os olhos e a tocar, a Vénus de Milo ficará reduzida a uma pura resistência fria, a uma espécie de impenetrabilidade ou limite. A sensação do tacto é de limite, de não mais além, um alto lá! gritado pelos penedos, que se erguem, diante de nós, na posse absoluta do seu vulto. [...] Em nosso olhar, todas as resistências se iluminam e se esculpem, numa colecção de fisionomias. O indefinido do tacto define-se na visão. Esta é intelectual, como aquele sensorial. A emoção vem da pancada; a ideia é de origem luminosa"
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"Vemos como se ouvíssemos, e pensamos como se sentíssemos. A sensação obscurece-nos o raciocínio, e o raciocínio adultera a sensação. [...] O grande erro é este: os nossos sentimentos misturarem-se aos nossos pensamentos, que perdem a serenidade e a lucidez."

(Primeiro excerto: O Homem Universal [1937], p.42 da edição da Assírio & Alvim; segundo excerto: O Penitente (Camilo Castelo Branco) [1942], p. 131 da edição da Assírio & Alvim. Desenho de Teixeira de Pascoaes, sem data, com a inscrição "O morto e o seu fantasma"; foto do desenho [mazinha, com reflexo de vidro e bocado de moldura]: Reboliço.)