quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Trás-os-Montes (restaurado)

.....Vi ontem a cópia que a Cinemateca restaurou do filme Trás-os-Montes (António Reis e Margarida Cordeiro). O som tem algumas melhorias, apenas. A imagem tem a cor bem tratada, sim senhor. Mas o que sempre me intriga - e ontem, de novo, me pareceu que havia cenas que antes não vira -, é que de cada vez que o vejo há nele momentos que é mesmo como se os visse pela primeira vez. Não sei se é só da minha má memória (mas agrava-se isto quando reparo que a cópia exibida ontem tem 100 minutos, ao passo que na ficha do filme a duração é de 110 minutos - gralha?).
.....André Bazin escreve a certa altura (num texto curto sobre L'Espoir, o filme de Malraux), acerca da diferença entre livros e filmes: "Une phrase absconse se relit, une séquence trop elliptique est définitivement perdue." Se pensar que não vejo Trás-os-Montes em casa, com o comando do leitor de video na mão, faz todo o sentido. O ensaio de Bazin mostra como o cinema, ao contrário do que se pensa, é uma arte não elíptica, que "não aguenta a descontinuidade. Apesar da sua estrutura retalhada em 'planos', o discurso cinematográfico tende cada vez mais a evitar a ruptura." Penso na minha experiência com este e os outros filmes de António Reis e concluo que Bazin está certo: é quem vê que instaura nos filmes as cisões, as elipses, os rasgões no tecido. Nada disso está lá.
(Recordo que o mesmo aconteceu ao ver um filme como A Arca Russa, de A. Sokurov, coisa filmada num plano único, sem cortes nenhuns de montagem.)