O cão do vizinho António leu o post sobre Kavafis, da semana passada, e recordou-se do poema "Da Loja," o seu favorito. Disse dele que "é dos mais simples, e [que o] fez visualizar uma ourivesaria situada num daqueles espaços comerciais das cidades orientais, de fachada verde, com luz eléctrica ligada durante o dia, porque situada na semi-obscuridade, e o joalheiro de fato e colete azuis, e bigode." Que coisa curiosa, a memória do que se leu... Aqui está o poema, cão vizinho. Com a cor verde, de facto, de uma seda de embrulhar as flores ou jóias. O homem que as vende talvez seja joalheiro, talvez tenha uma loja de penhores, talvez seja florista, ou nada disso seja e venda o que quer e aprecia e não há na natureza.
.......DA LOJA
.......Embrulhou-as com cuidado, ordenadamente
.......na seda verde excelente.
.......Lírios de pérolas, rosas de rubis,
.......violetas de ametistas. Tais como ele as quis,
.......as apreciou, as viu belas; não como na natureza há
.......as viu e as estudou. Dentro do cofre as deixará,
.......amostra do seu eficaz e ousado labor.
.......Se na loja entrar um qualquer comprador
.......tira outra dos estojos e vende - jóias singulares -
.......pulseiras, anéis, cordões, e colares.
(in Os Poemas, trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, Lisboa, Relógio d'Água, 2005, p. 113.)