terça-feira, 29 de setembro de 2009

O Reboliço é um nefelibata (16)

(Foto das nuvens carregadas sobre as montanhas e os morros do Rio de Janeiro: Reboliço)

O Reboliço viaja com a rapidez do silêncio apático do taxista pelas vias de entrada na cidade: auto-estradas de três e quatro faixas, pavimento gasto e solavancos; tunéis escavados para chegar ao Oceano e à baía dos encantos. Dentro dos túneis, a escuridão transforma o cenário na sala de cinema por onde passam todos os géneros de filmes. Fora dos túneis, mesmo debaixo de nuvens espessas, não há filme que valha aos olhos. A extensão de paredes amontoadas sobre descarnadas paredes, com intervalos cariados de alumínio e gente sem blusa encostada aos umbrais, extensão, extensão, extensão interminável, cerca a baía dos prédios altos e lembra que o mundo das montras de pedras preciosas é rodeado de shantytowns à gargalhada. Pensa nisto tudo enquanto vê passar à esquerda e à direita os tijolos à mostra. Começa por pensar que são complexos habitacionais que abrigarão moradores futuros, mas desilude-se à velocidade a que trepida o crucifixo pendurado no espelho retrovisor do táxi. Aqueles muros alaranjados da falta de reboco e tinta, nalguns lugares com ornamentos feitos do tijolinho quebrado, são antigos, estão ali há muito tempo e albergam já cidadãos deste mundo. Pensa em shantytown, pensa em shantih, shantih, shantih. E, ser indefectível que se sente, pensa em jai guru deva ohm.

(A New Yorker de 5 de Outubro traz uma reportagem de John Lee Anderson sobre os gangs das favelas no Rio de Janeiro, com fotografias de João Pina. Num quiosque onde perguntei pela revista, diz-me um homem, reformado, não nascido na cidade mas que já fez muito por ela, para que ela seja melhor: "Ah, não tem jeito! Eu vi a matéria que eles passaram na televisão ontem, falando dessa tal nuiórka, e logo depois mostraram uma outra sobre um menino morto nos Estados Unidos, a violência, e tal. Não tem jeito mesmo: onde tem muita gente vivendo, vai esperar o quê?")