sábado, 19 de setembro de 2009

Ressurreição

Ler um romance de Machado de Assis, mesmo que o seu primeiro e tosco, é um prazer largo. Encontrei uma edição escolar, de capa feiíssima, mas com o texto completo (notas a mais, claro) e as duas advertências do autor, uma à primeira edição, de 1872, e a segunda de 1905, já Machado escrevia que Ressurreição fazia parte da "primeira fase da minha vida literária". O bom do livro não é só a história - que prende, mesmo com os engulhos estilísticos e os engasgos românticos do início. Não é também só a primeira advertência, humílima e reveladora. O melhor de tudo é ver, como se fosse na carne do livro, os primeiros passos de um escritor maior: a sua coragem nas hesitações de estilo, a maneira como atira para a frase todas as dúvidas do trabalho, desde que seja para moldar uma personagem e fazer andar a intriga. O melhor de tudo é rir - rir do tosco da matéria, rir da ironia ainda descarada (no infeliz Félix) e rir da invenção.

A história está aqui, mas sem o que Machado escreveu a prefaciá-la. A meio da "Advertência da Primeira Edição", lê-se:
    
    A crítica desconfia sempre da modéstia dos prólogos, e tem razão. Geralmente são arrebiques de dama elegante, que se vê ou se crê bonita, e quer assim realçar as graças naturais. Eu fujo e benzo-me três vezes quando encaro alguns desses prefácios contritos e singelos, que trazem os olhos no pó da sua humildade, e o coração nos píncaros da sua ambição. Quem só lhes vê os olhos, e lhes diz verdade que amargue, arrisca-se a descair no conceito do autor, sem embargo da humildade que ele mesmo confessou, e da justiça que pediu.
    Ora pois, eu atrevo-me a dizer à boa e sisuda crítica, que este prólogo não se parece com esses prólogos. Venho apresentar-lhe um ensaio em gênero novo para mim, e desejo saber se alguma qualidade me chama para ele, ou se todas me faltam, - em cujo caso, como em outro campo já tenho trabalhado com alguma aprovação, a ele volverei esforços. O que eu peço à crítica vem a ser - intenção benévola, mas expressão franca e justa. Aplausos, quando os não fundamenta o mérito, afagam certamente o espírito, e dão algum verniz de celebridade: mas quem tem vontade de aprender e quer fazer alguma coisa, prefere a lição que melhora ao ruído que lisonjeia.

Assim.