quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Moinhos na poesia (21)


CANTIGAS À MINHA VIOLA

Minha viola de luxo,
Minha enxada de cantar,
Meu instrumento de fogo,
Caixinha do meu chorar!

Viola, bordão de prata,
Vida violeta, violeta...
Prima, coração que mata,
Poeta! Poeta! Poeta!

No florão da minha viola
Pus uma tira de espelho
Para ver, de quando em quando,
Se estou novo se estou velho.

Ó viola encordoada
Com quinze cravos de aposta,
Minha pêra acinturada ,
Minha maçã da Bemposta!

Quando te toco nas cordas,
À boca do coração,
Vou-me sangrando em saúde
Que nem sumo de limão.

Tens os pontos doiradinhos
Tens os espaços de luto,
Cada prima é uma flor,
Cada cravelha é um fruto.

Pendurada a tiracolo
No teu cordão cor de vinho,
És o meu saco de cego,
O meu burro e o meu moinho.

Meu amor, deixa falar!
Dorme, não percas a esperança,
Morta, na minha viola,
Serás sempre uma criança.

Que seis meninas de arame
É que te levam à campa,
Com seis florinhas de pau
Espetadinhas na tampa.

E o limão, a violeta,
A madrepérola, o espelhinho,
Hão-de te servir de terra
E de mortalha de linho.

 (Vitorino Nemésio, Festa Redonda, 1950. 
Ouvido na voz de Joaquim Manuel Magalhães.)