sábado, 31 de março de 2012

"Onde a coruja dorme"

(Ouve, Reboliço, compreendes tudo o que se diz?)

("E se não fosse o samba, quem sabe hoje em dia eu seria do bicho.")
O morro não tem voz, viu? Ele é somente atacado, mas não se defende.
("E se não fosse o samba, quem sabe hoje em dia eu seria do bicho. Não deixou a elite me fazer marginal, e também em seguida me jogar no lixo.")
Como o morro não tem direito à defesa, só tem direito de ouvir, "marginal, ladrão, safado," não sei quê, acabou, como é que ele vai falar?
("A minha babilaque é o lápis e papel no bolso da jaqueta, uma touca de meia na minha cabeça, uma fita cassete gravada na mão")
Então, o que é que fazem os autor do morro? Ele diz cantando aquilo que ele queria dizer falando. E eu sou o porta-voz.
("E toda a vez que descia o meu morro do Galo eu tomava uma dura, o homem voava na minha cintura, pensando encontrar aquele três oitão, e... Mas como não achavam, ficavam mordidos, não me dispensavam, abriam a caçapa e lá me jogavam, mais uma vez na tranca dura pr'averiguação. Batiam meu boletim, o nada consta dizia: ele é um bom cidadão, o cana-dura ficava muito injuriado, porque era obrigado a me tirar da prisão. Mas hoje em dia eles passam, me vêem, me abraçam, me chamam de amigo. Os que são compositores gravam comigo e até me oferecem total proteção. Humildemente agradeço, e digo pra eles: estou muito seguro, porque sou bom malandro e não deixo furo e sou considerado em qualquer jurisdição")
E é o pessoal do morro que escreve. O pessoal da Baixada Fluminense, aquele que pega o trem, quatro da manhã, cinco horas, aquele que já acorda três horas da manhã pra trabalhar, aí bota um bocado de arroz, feijão na marmita...
Bezerra da Silva por Mauro Pinheiro Jr.