segunda-feira, 25 de junho de 2012

"Se deus quiser, há-de correr tudo pelo melhor."

Caiu a calma, pesada, sobre o vale do Poço Novo. Seis da tarde e ainda não se respira. O Sorna tem mais umas três horas de imobilidade pela frente. Total, absoluto não se mexer. Venha o dono trazer a comida, trazer o balde da água. Venha o Matias, venha a dona chamar por ele com a voz doce, venha a promessa de o soltarem. Nada. Enquanto a noite não chegar, não sai da sombra da alfarrobeira, não se torce nem se amola.

Na cidade, quem sai de um gabinete arrefecido, de espirros e maus filtros, põe o pé na rua e abre a boca de espanto e vontade de ter ar. Não se vê o sol, só o céu muito branco e um raio ou outro que às vezes sobre, por uma espécie de hérnia do nublado sufocante. Andar é negociar as sombras: se der mais um passo neste passeio, se a passar aqui tenho o lado escuro da rua, protegido, menos abafado, estarei bem; ali, vou torrar.

Já a tarde aliviou, a tia assoma-se à janela e fala com a Dona Odete, a vizinha da varanda do lado: "A gente estamos já habituados a isto, a gente lá pró Alentejo, a gente já estamos habituados a isto. É Beja, é - aqui em Lisboa é que não é tanto costume, não é assim? Mas então, não tem dúvida, vai-se aguentando. É bom prá roupa, que num'stante seca."