quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Vida Alegre

O Reboliço ouve do tio Manuel histórias dos dias de antes da sua vida.
Pelo moinho, eram moços os moços e novas as moças, a tia Adelaide tinha um vestido de saia rodada e os manos possuíam uma lambreta, uma motoreta de fazer barulho e andar de um lado para outro. Andava na lambreta a moça, os moços riam das voltas, da motoreta e da saia do vestido da mana. As rodas finas faziam saltar as pedrinhas, os torrões pequenos da terra da rua do sopé do moinho. Ria a moça, não era ainda tia, mãe sequer, rodava feliz na saia rodada do vestido, e riam os moços, com o renhenhenhaaaam da lambreta. Da casa do vizinho, com o barulho, ladravam os cães, como sempre ladram os cães ao barulho de todos os motores, com ladrar diferente conforme seja maior ou menor motor, estridente mais ou menos, a um ou a outro combustível - percebem os cães de oficina automóvel e é toda uma força de trabalho em desperdício.
No monte do vizinho havia, entre os cães, o Vida Alegre, que se chamava assim. A ele mais que aos outros a estridência do motor da lambreta instigou, irritou, danou e levou a que viesse a correr, orelhas para trás com a força do ar que ele empurrava, a ladrar, a ladrar, a ladrar e os moços a rir. Roda a saia do vestido, roda a lambreta debaixo dos pés da tia (que ainda não era tia, sequer mãe), roda o riso dos moços, rodou para fora do vestido a saia, puxada nos dentes do Vida Alegre, que alegre vida, e o riso, e o riso.
O Reboliço ouve a história, ouve as risadas, os moços manos agachados a rir, as mãos em palmadas sobre as coxas, as lágrimas a saltar dos olhos, a tia entre atrapalhada e divertida, a rir também, a parar a motoreta, enquanto vai rodando rua fora, entre a rua do moinho e a rua do monte do vizinho, o pedaço de pano, preso nos dentes do Vida Alegre.