domingo, 29 de dezembro de 2013

Uma cozinha com sol

O Reboliço olha para o chão da cozinha da tia Patrocínia, a farejar. Mosaicos hidráulicos, como se vê de moda nalguns lugares e ali sempre foram chão. Aqueles três ou quatro, com as mesmas, velhas fendas a atravessá-los, quase alfabeto passeado de formigas umas vezes, e a fazê-los fazer o que debaixo dos pés era ruído que avisava lá dentro que alguém entrava. Balançavam, um tudo nada, os fendidos, debaixo dos pés, com o som. A porta, descaída, de igual maneira alertava - os de dentro e o gato grande, que andava nos telhados e se apressava a espreitar, se a tia saía da cozinha para a varanda cheia de sol. Não esperava comida; só a conversa dela, a perguntar-lhe pelos donos, pelos pombos que ele incomodava, pelas passeatas entre escadas de incêndio e corrimãos. Lembra-se disso e perscruta o quadrado que formam aquelas traseiras de prédios, com um meio de clarabóias (a iluminar a garagem oficina, lá em baixo) e franja, em frente, de árvores frondosas. Lembra-se e procura o gato - que não está, se não se mostra. Lembra-se, de patinhas fincadas no chão ensolarado e o focinho a apontar para o grande cão branco, do prédio em frente, que assestou, há dias, no canto da sua escada e lhe diz agora, num silêncio duro, resignado e meigo: "Escusas, Reboliço, de estar aí. Também a espero há dias e já percebi que não há mais."