quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Juninho Astronauta


A mãe canária chama-se Laranjinha, por ter as penas da cor de uma laranja pálida; o pai é o Branquinho. Quando saiu do ovo, o Juninho não tinha pena nenhuma. De nada. Ganhou as penas à medida que os dias se ganhavam, e foram brancas. Foi, pois, chamado Branquinho Júnior e, daí, Juninho. Dois dias depois de ter duas semanas de saído da casca, foi o Reboliço espreitar a gaiola e viu-o, meio tremeliques, de patas assentes sobre o bordo do ninho, tem-te-não-caias, o bico projectado para a frente, a meia página de livro de auto-ajuda de saltar. Ficou a vê-lo, a adejar uma asa, alongada, esticadas, a experimentar, as penas, depois a outra. Juninho salta, não salta, ali de manhã não saltou. Passou um tempo de gente sobre o relógio e o bicho voltou ao afago nidal, de estoirado de querer fazer o esforço. À noite, quando foi ver dele o Reboliço, estava outra vez em pé sobre a beira do ninho - mas a dormir. Dormia em pé, como fazem os pássaros já grandes, cabeça e bico debaixo da asa, virados para trás e tudo. Menos mal, pensou o Reboliço: se está lá em cima, talvez não se tenha ainda aventurado. Mas nem uns poucos momentos depois de se ter distraído longe da sala, voltou e achou o ninho vazio, bordo sem nada. Virou o olhar para o chão da gaiola - vazio. No poleiro de cima, pai Branquinho e mãe Laranjinha abriam os olhos pequeninos, mas nem nada. Lá em baixo, encostado ao canto da caixinha de plástico onde o Reboliço lhe deixava uma papa reforçada, sobre a macia clara de ovo de galinha cozido, o Juninho respirava lentamente, cabeça e bico debaixo da asa. A partir daí, chamou-se Juninho Astronauta. Já tinha dado o salto.