segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"Quis hunc nostrum chamaeleonta non admiretur?"

(Foto do animalejo frente à mão de M.: Reboliço, a analisar riscas e escalas)

"Disse-me um poeta moçambicano, que havia encontrado numa ilha do Equador um camaleão que, anichando-se no ombro dos aedos quando bordam no vento as ravinas da memória, segregam missangas para o enfeite das raparigas. Residirá aqui a razão do que me pedem: que passeie pelo ombro dos poetas com a vocação do refratário, ébrio nos mantos da miragem?

Há uma genealogia da mimesis que talvez tenha em Pico della Mirandola o príncipe de uma nova dinastia. Para este florentino da Renascença o homem não reflete passivamente o cosmos e investe na tutela do seu destino: já não admite uma essência pré-determinada, assume-se numa vontade de ser. Aqui se nutre a sua fascinante asserção de que o homem é um camaleão."

(António Cabrita, "O eco são todas as vozes", prefácio a
O Bosque Sagrado, realização: Jorge Sousa Braga, António
Ferreira, Álvaro Magalhães, Porto, Gota de Água, 1986, p. 11.)