Do lado de fora das salas,
casinhotas de madeira entre os pinheiros, o Reboliço observa o desplante, o
atrevimento com que a gata Natacha* invade uma aula e se deixa ficar, quase duas horas inteiras, para desfrute de alunos, impaciência da professora e
beleza, afinal, de todos. Olha de fora, o Reboliço, e vê-a procurar o canto
mais morno do lugar: onde entra a réstia do sol da manhã, onde um colo de calor
se lhe oferece, onde o aparelho que bafora o ar aquecido ronrona. Olha de fora
e ouve a voz da professora, esforçada entre as deleitadas risadas e a
desatenção do grupo, ler, a propósito, Vítor Silva Tavares: "Gosto e não
gosto de gatos. Gato felino, gosto; gato gordo, não gosto; gato maluco, gosto;
gato molenga, não gosto. Gato é companhia. Cão também, mas gato é outra
companhia, companhia especial. Gato não é amigo, não é fiel; gato é egoísta, é
ditador; gato não lambe botas, não arremelga o olho; gato é senhoria, é sua
excelência, é mimalho, é lascivo. E tem ronha, tem muita ronha: faz das patas algodão
ou garra, conforme a sua conveniência."(**) Ouve a voz que lê e observa a
Natacha, gata melíflua, dengosa no que lhe convém, que é o ameno da sala a
escondê-la do frio da rua - e vê-a a escapar-se, indiferente, mal lhe foge o
sol do vão da porta, para outra sala com gente e calor.
(Fotos da gata sobre uma das mesas da sala de aula e do corredor entre as salas, no campus pinheiral: Reboliço)
(*)"Natacha" foi o nome que ganhou a gata porque o dia em que fez a sua aparição marcou o aniversário da aluna com aquela graça.
(**) Vítor Silva Tavares, "o gato", in revista Cão Celeste, nº 9, Julho de 2016, p. 123.
Originalmente publicado no jornal Diário Popular, 19/6/1963.