domingo, 24 de dezembro de 2006

Antes da Consoada

(Enquanto os homens cortam lenha, lá fora perto do forno, cuido de dois lumes dentro da casa.)

    Há grandes mexidas no moinho. O pai arma as velas, para secarem com o vento de hoje a chuva de há umas semanas. É trabalho que tem de ser feito, ou a madeira das varas apodrecerá. De manhã, veio o vizinho trazer um pato. “Não o deixe abalar,” avisou. Nem duas horas depois, já o bicho voara. “Pode ser que a patrulha o almoce,” diz o Mano, a apontar a Brigada de turno na rotunda. À tarde, torna o vizinho: “Tome-o lá, foi dar ao meu monte outra vez.” Tem o destino marcado e, por mais que faça, há-de ir ao tacho.
    O Reboliço faz pender as orelhas, sai, discreto, da casa e vai deitar-se ao olhinho de sol. Enquanto o frio não lhe entra bem nos ossos, fecha os olhos e aspira o ar. Daqui a nada, antes do sol-postinho, esperará que alguém se descuide e deixe a porta aberta. Então, reentrará na casa e ficará aninhado, à beira do lume, a observar o movimento.