Levava na mão uma garrafa de vidro cheia de água. Era a meio da madrugada e levantara-se com o barulho na casa. Entre o seu quarto e a sala, de onde o ouvia, era preciso atravessar todo o largo e depois longo corredor com chão de tacos pequenos, madeira escura e cheia de veios. O olhar escapou-se, num segundo que não sentiu, para um patamar abaixo do nível dos olhos. Via os joelhos magros, debaixo do tecido fino da camisa com que dormia, mexerem-se como se não fossem já seus, duas esferas estranhas e retalhadas entre o tecido branco e a cor da pele - trocavam de lugar, um agora depois o outro, e encantou-se naquele movimento baloiçado. Desceu ainda mais, o olhar, e viu os pés em rastejo descalço e lânguido, mais ainda pela extensão das canelas, que pareciam elevar-se e afastar-se gradualmente do lugar dos olhos. Num segundo. A queda não a percebeu, não era o seu corpo que caía. Via-se agora, sabia-se em si, mas o olhar focava a partir do vidro verde a rolar vazio e da mancha que se espalhava humedecida sobre os tacos de madeira. Via como se fossem o vidro os seus olhos e o que via era um corpo estendido, para lá do cabelo castanho escuro, como os veios, em brancura de pele desencoberta a partir de meio pelo tecido amortalhado.
"I disappear,
I lost control,
My body's moving,
On it's own.
I watch myself,
Walk away,
A poor spirit,
took my place."
(The Faint )