Uns dias depois de escrever o episódio da Castanha, o pai mostrou este, sobre o Margot. O Reboliço quis saber de onde teria vindo ao cão aquele nome, mas ganhou as mesmas: diz que não se lembra, o pai. Chamavam-lhe margôu, era só isso.
O cão Margot
Era um grande setter inglês. O rabo creio que fora cortado quando pequenote, tinha menos de um palmo. O pêlo era grande, castanho ondulado. As orelhas penduradas, era meigo e lindo o cão da minha infância.
Na época das chuvas e na Primavera, quando a erva crescia nas searas, eu e o meu irmão, munidos de sachos e de um saco, íamos apanhar erva para os coelhos nos campos de trigo. O cão sempre nos acompanhava. Colhíamos as ervas: lentugas, cardos brancos, orelha de lebre, serralhas, chapéu de lagarto, etc. - nos catacuzes e nas tengarrinhas os coelhos não pegavam muito. O Margot ia farejando por ali à nossa volta, procurando buracos de ratos do campo, os musaranhos, ou malhada de lebre - só para se distrair, porque na realidade o pobre não tinha pedalada para lebres! Se por adregue em algum desses buracos lhe cheirava que havia rato, o animal esgravatava o terreno, brando por ter sido lavrado e ter humidade, até encontrar o bichinho. Este saltava da toca, cheio de medo, e o cão, furibundo, ia fugindo atrás dele sem o conseguir apanhar. Não era cão para grandes corridas: voltava depois para junto de nós, a abanar a réstia de cauda, como que a dizer que já se tinha divertido.
O saco cheio das ervas apanhadas, atavamo-lo e colocavamo-lo atravessado sobre o lombo do cão. Depois, com um de nós de cada lado para manter o saco equilibrado, o Margot, dócil e satisfeito, levava a carga até ao monte.
Nalgumas tardes de Primavera, a aproveitar a boa disposição do Margot, que gostava de brincar, fazíamos às vezes autênticas touradas, acenando-lhe com um saco de trigo vazio. O bicho atirava-se e quando conseguia apanhar o saco não o largava e puxava-o, às arrecuas - volta e meia lá ficava um saco rasgado.
Envelheceu muito digno, o lindo cão. Veio a morrer tranquilamente à sombra do moinho numa tarde de Verão. Estava na posição favorita dele, estendido com o focinho descansando sobre as patas dianteiras a apanhar o fresco, com o vento da maré a dar-lhe de frente. As grandes orelhas pendidas levantavam ligeiramente com a brisa e assim ficou, numa imagem de tranquilidade impressionante. Quando estranhamos a demora naquela posição, demos com ele já sem vida. E chorámos. Ainda hoje me emociona a lembrança. Querido bicho!
Beja, 22 de Novembro de 2011
Chico Soares