domingo, 3 de junho de 2012

Fazer uma cama

O Reboliço senta-se sossegado nos ladrilhos à entrada do quarto. Estende as patas da frente para ganhar altura e estica o focinho. Quase nada lhe treme o coto que é a cauda, apesar da satisfação da cena: a mãe faz a cama. A colcha, a manta, o lençol de cima - de manhã cedo tinha ficado tudo puxado para os pés da cama, a arejar com a janela aberta. Quando volta ao quarto, a mãe alisa o lençol de baixo, dobrando-se e indo de um lado ao outro do colchão, as mãos lisas a estender bem o pano e a ajustá-lo em cada ponta. Então, o Reboliço vê-a tornar a trazer até à cabeceira o lençol de cima, deixar-lhe meio amarrotado o extremo e agarrar a manta, que estica até chegar quase ao bordo do mal amanhado lençol: depois alisar e fazer a dobra, direita, igual dos dois lados da cama, nem mais curta nem mais comprida, e por cima de tudo estender a colcha. Nesse ponto, o Reboliço deita-se e observa a última parte do ritual, a que o faz entrar muito devagar no sono e no sonho: a mãe agarra nas almofadas e, moldando-as sem as sacudir, ajeita-lhes a lã de que são feitas, para as afofar e tirar delas a forma das cabeças que dormiram. O Reboliço fecha os olhos e adormece também, a lembrar-se da mãe sentada ao lume com duas alcofas junto da cadeira: uma para a lã ainda em monte amarelado, por cardar; a outra, forrada com um panal branquinho, para a lã que os dedos abriram sobre o colo, limparam de impurezas e fizeram em transparência de nuvem, e que fecharão o rectângulo de pano da fronha com agulha e linha branca.