sexta-feira, 13 de junho de 2014

Na oficina do tio Pardal

O sapateiro Miguel levanta a cabeça do trabalho e cumprimenta. É de manhã cedo, mas já coseu e remendou sapatos e fez um cinto novo. Quando chegou, deu água e alpista aos pássaros. "Este canta que se regala", comenta o Reboliço - "Mas é canto novo, tem estado muito calado: morreu-lhe o companheiro, só anteontem é que voltou a cantar", diz o tio Chico, encostado ao balcão. A gaiola do canário desentristecido fica mesmo por cima da cabeça do sapateiro Miguel. "O outro ainda não se manifestou." O outro é outro canário, enfiado numa gaiola igual, do lado oposto do balcão, que trouxeram para substituir o finado. "Temos de os pôr assim afastados, sem se verem, senão não cantam," explica o tio Manuel Pardal, levantando o queixo da bengala. "Está tão calado...", diz o Reboliço. "Ainda está estranho", responde o tio Chico. "Tem de se habituar ao novo apartamento."