quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

(Cada vez que contamos uma história esquecemo-la mais e mais.)

Em 1925, Mikhail Bulgakov escreveu uma novela alegórica chamada Coração de Cão. (Só viria a ser publicada em 1987, e em Portugal teve, pelo menos, três edições - a primeira, nos Estúdios Cor, sem data de publicação, mas certamente anterior a 87 e feita, provavelmente, a partir de uma versão que circulava clandestina; as mais recentes na Vega, em 2008 e na Alethêia, em 2014.) A história de Bulgakov tem pouco a ver com o filme de Laurie Anderson, mas os títulos coincidem e a realizadora faz, nisso, mais uma remissão a uma constelação de obras que iluminam o céu canino do filme. Onde o perfeito texto de Bulgakov é satírico, dorido de denúncia, de comunidade, dá o olhar de Anderson uma visão privada, íntima e doce. É um filme sobre contar histórias, ao passo que o livro de Bulgakov é uma das muitas histórias que podem ser contadas.