domingo, 14 de agosto de 2016

Fogo no nicho

(Na aldeia, em pequeno o Reboliço dormia no quarto maior, interior, com o mano e a mana. Uma cama grande para elas, uma mais pequenina para ele. A porta de duas lâminas dava para o corredor que vinha da mercearia e ia para o quintal. Quando se arranjou a casa, disse a mãe aos pedreiros: "Descubram-me aí os nichos que o quarto tinha, de quando eu era moça." A mãe, antes, então, ali dormira com a mana dela: um dos nichos, pequeno, de frente para a porta, começava ao metro e meio de altura e tinha menos disso até terminar, um pouco mais de largura e de profundidade igual. Servia como se fosse mesa de cabeceira. O outro, mais alto, começava mais em baixo na parede e era como que fechado por um pano ao alto. Ali se guardava a roupa das meninas da casa. Os nichos haviam sido cobertos e durante anos ninguém se lembrou deles. Até que a mãe pediu aos pedreiros que os devolvessem à casa. No Verão, a telha de vidro deste quarto tem de ser tapada de papéis [quando havia a mercearia, era papel manteiga, o mesmo onde se faziam as contas ou embrulhava o pão, com o que se fazia os cartuchos para o feijão e o grão], ou o calor mata a gente. Quando bate ali de manhã, alguma fresta entre o papel, o vidro e a alvenaria do telhado deixa passar o sol que não se quer dentro de casa e projecta, no nicho grande, a labareda.)